segunda-feira, 8 de outubro de 2012

ABIN, ou ORCRIM?

Artigo de André Soares - 05/10/2012

Servidores da Agência Brasileira de Inteligência afirmam que há uma tentativa de militarização da atividade (Ed Alves/CB/D.A Press - 20/9/12)



A Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) não é a única instituição ineficiente do país. Contudo, no âmbito dessa obscura organização, a verdade inconteste é que a sua ineficiência além de ser notória é também criminosa. Nesse contexto, o recente escândalo envolvendo um de seus oficiais de inteligência que espionava a própria a ABIN e "hackeou" centenas de senhas internas sobre assuntos sigilosos, constitui mais uma dentre as inúmeras de suas crises que vieram a público, resultantes da incompetência e diletantismo irresponsável de seus dirigentes. O que acontece na ABIN? Ninguém sabe. Nem os governantes do país. Isso porque os poderes executivo, legislativo e judiciário, bem como o ministério público, efetivamente não a controlam nem fiscalizam. Por essa razão, a ABIN é uma caixa-preta invencível, da qual nossos governantes tornaram-se reféns, temerosos de sua perigosa instabilidade que resulta da fúria retaliadora que inspira a “comunidade de inteligência” que a governa.
“Não imaginei que havia criado um monstro” foram as célebres palavras de arrependimento proferidas pelo General Golbery do Couto e Silva, ante ao desvirtuamento do Serviço Nacional de Informações (SNI), criado pela lei 4.341, de 13 de junho de 1964, do qual foi um dos principais idealizadores, e que foi extinto no governo Fernando Collor de Melo. Como o presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC) não se afastou dos erros passados ressuscitou no Brasil o fantasma do antigo SNI, criando a ABIN, pela Lei 9.883, de 7 de dezembro de 1999, como órgão central do Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN), entregando seu poder avassalador aos auspícios da “comunidade de inteligência” desempregada.
Evidentemente, não tardou para que o presidente Fernando Henrique sofresse em seu próprio governo com a primeira crise da ABIN, que culminou com a exoneração do seu primeiro diretor-geral. Infelicidade maior teve o presidente Luís Inácio Lula da Silva, recebendo esse explosivo legado do seu antecessor. Pois, ao longo de sua curta existência, a ABIN coleciona uma sucessão de crises institucionais, cujas sérias conseqüências ao país implicaram a exoneração sumária de todos os seus diretores-gerais, envolvidos em clandestinidades inexplicavelmente não apuradas. A última revelou à sociedade a pior crise de inteligência de nossa história, desvelada no festival de clandestinidades acobertadas pela ABIN, na Operação “Satiagraha”, em 2008, que levou o então presidente Lula a afastar imediatamente o diretor-geral e toda a cúpula da agência. A verdade é que essa atuação criminosa da ABIN constitui um dos mais graves atentados contra o estado, cometidos por serviços de inteligência da história contemporânea.
É motivo de indignação nacional a cumplicidade governamental com o obscurantismo desse ineficiente serviço secreto, vilipendiando o estado democrático de direito vigente. Caso contrário, revelar-se-á que a ABIN é protagonista de ações contra o próprio estado brasileiro, as quais são execradas pela cultura universal dos serviços secretos. A promiscuidade do desvirtuamento da agência é hospedeiro de serviços secretos estrangeiros e organizações criminosas (ORCRIM), que nela encontram terreno fértil para suas ações de espionagem, infiltração, cooptação, recrutamento, agentes duplos e corrupção generalizada. Por seus atos, os dirigentes da ABIN seriam exemplarmente punidos nas principais potências mundiais, condenados à prisão perpétua ou à pena capital, caso integrassem seus respectivos serviços de inteligência. Compreende-se então porque a ABIN goza de péssima reputação no círculo da comunidade internacional dos serviços de inteligência, diferentemente do SNI que alcançou reconhecimento internacional por sua excelência. Entretanto, essa inadmissível e vergonhosa realidade foi escancarada veementemente ao país por Carlos Costa, chefe do FBI no Brasil por quatro anos, que sentenciou publicamente: “...a ABIN é uma agência de inteligência que se prostitui...”.
A verdade histórica é que serviços de inteligência inexoravelmente se degeneram em ORCRIM quando se divorciam da doutrina da “Tríade da Inteligência” (Sigilo, Legalidade e Ética). Todavia, nossos governantes persistem em recrudescer erros históricos, fomentando a metástase institucional da ABIN, que fere de morte os princípios constitucionais em que se edifica o estado brasileiro. Contudo, parafraseando analogamente a máxima do brilhante filósofo Maquiavel: “cada povo tem a inteligência que merece”.

 
“A Inteligência é um apanágio dos nobres. Confiada a outros, desmorona".
(Coronel Walther Nicolai - 1873/1934 - Chefe do Serviço de Inteligência do Chanceler Bismarck)