Os novos desafios da Inteligência de Estado no Brasil
Artigo de André Soares - 15/04/2012
“Não
imaginei que havia criado um monstro” foram as célebres palavras de
arrependimento proferidas pelo General Golbery do Couto e Silva ante a
degenerescência do Serviço Nacional de Informações (SNI), criado pela
lei 4.341, de 13 de junho de 1964, que culminou com sua extinção no
governo Fernando Collor de Melo e do qual foi um dos principais
idealizadores. Como o presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC) não se
afastou dos erros passados ressuscitou no Brasil o fantasma do antigo
SNI, instituindo no país a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN),
pela Lei 9883, de 07 de dezembro de 1999, como órgão central do Sistema
Brasileiro de Inteligência (SISBIN); divorciando a inteligência
brasileira das sábias palavras do coronel Walther Nicolai, chefe do
serviço de inteligência do chanceler Bismarck, que profetizou: “A
Inteligência é um apanágio dos nobres. Confiada a outros, desmorona".
Com
pouco mais de uma década de existência, a história da ABIN se
caracteriza por sua escandalosa e generalizada ineficiência,
contaminando o SISBIN e por uma sucessão de escândalos e crises
institucionais de âmbitos nacional e internacional, cujas danosas
conseqüências implicaram a exoneração de vários de seus
diretores-gerais, ao longo dos governos FHC e Lula. Atualmente, o Brasil
sofre a maior e pior crise institucional de inteligência sem
precedentes na sua história, incipientemente desvelada à sociedade no
festival de clandestinidades da Operação Satiagraha, criminosamente
patrocinadas pela direção-geral e toda a cúpula da ABIN, em 2008.
Contudo,
no epicentro desse caos que vive a Inteligência de Estado no Brasil, a
ABIN e o SISBIN continuam uma "caixa preta" invencível, sem controle, em
flagrante atentado contra o estado democrático de direito vigente,
obscuramente protegida pela impunidade, inação e esquecimento de nossos
governantes sobre seus crimes praticados contra o estado brasileiro,
cujos culpados nunca foram responsabilizados; e sob a cumplicidade dos
órgãos de controle, dos poderes executivo, legislativo, judiciário e do
ministério público.
Se
por um lado é incontestável a importância da Inteligência no contexto
do estado constituído, já alardeada à humanidade desde a antiguidade e
nos ensinamentos de Sun Tzu, a grave realidade que aflige o país é que a
principal estrutura do seu sistema imunológico se degenerou numa grave
doença cancerígena. Destarte, urge à sociedade se contrapor ante esse
intolerável estado de coisas que assola a Inteligência de Estado no
Brasil porquanto piores contingências ainda acometerão os desígnios do
país, decorrentes da corrupção que domina nossos serviços de
inteligência e que desconhecidamente está na gênese dos mais vergonhosos
escândalos e tragédias nacionais.
Portanto,
há muito por fazer e os novos desafios são muitos. A começar pela
promulgação de uma Política Nacional de Inteligência, pois a sua
inexistência fomenta o desvirtuamento dessa atividade; a revisão e
aperfeiçoamento dos nossos diplomas legais, começando pela embrionária e
equivocada Lei 9883, que cria a ABIN; a estruturação de um verdadeiro e
legítimo sistema nacional de inteligência, que prime pela ética e
legalidade de suas ações, congregando os poderes da república,
ministério público e entes federativos; a ruptura da “caixa preta” dos
serviços de inteligência nacionais, cuja prestação de contas deve
submeter-se impiedosamente ao princípio constitucional da publicidade; a
renovação dos cargos de direção da ABIN, dominados pelos apaniguados da
“comunidade de inteligência”, que se perpetua subjugando nossos
governantes pusilânimes sob o temor da ameaça de um pseudo poder
retaliador; e a responsabilização direta, funcional e criminal de todos
os operadores de inteligência pelo seu desempenho, a começar pelos
dirigentes máximos dos serviços de inteligência.
Que
a firme decisão da presidenta Dilma Rousseff ao promulgar a Lei 12.527,
de 18 de novembro de 2011 que regula o acesso a informações previsto na
Constituição Federal, e sua determinação presidencial de instaurar a
“Comissão da Verdade” para resgatar o nosso recente e perdido passado
histórico, seja o ensejo corajoso e auspicioso que faltou aos seus
predecessores para exterminar definitivamente a “monstruosidade” que
governa os serviços de inteligência nacionais, inaugurando uma nova e
eficiente Inteligência de Estado no Brasil, que seja verdadeiramente
apanágio dos nobres e dignos cidadãos brasileiros.
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