terça-feira, 28 de outubro de 2014

Preconceito, pré-conceito ou preferência?


Artigo de André Soares - 27/10/2014



O político corrupto “Justo Veríssimo“, personagem do inigualável humorista Chico Anysio; e o assoberbado “Caco Antibes”, personagem interpretado pelo ator Miguel Falabella no consagrado programa humorístico “Sai de Baixo”, têm algo em comum: ambos têm ojeriza a pobres. E o mais importante: manifestam isso publicamente: "Tenho horror a pobre!". Todavia, a despeito de “Justo Veríssimo“ e “Caco Antibes” serem personagens de abjeta conduta pessoal, há que se reconhecer que ambos têm uma virtude: a coragem de dizer o que pensam, principalmente por se tratar de ideias “politicamente incorretas”. Inevitavelmente, a maioria das pessoas os condenará por inadmissível discriminação contra as pessoas pobres. Contudo, há uma grande incompreensão que acomete a sociedade, que não sabe diferenciar preconceito, pré-conceito, ou apenas simples preferência.

A “liberdade de pensamento e de expressão” são direitos consagrados em nossa Carta Magna, em seu art. 5º, inciso IV: “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”; e em seu inciso IX: “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. Portanto, assumindo a autoria de suas ideias, qualquer pessoa pode manifestar a opinião que quiser.

Dessa forma, manifestar-se dizendo exclusivamente que se tem ojeriza a pobres, como fazem “Justo Veríssimo“ e “Caco Antibes”, ou manifestar-se por não gostar de determinada origem, raça, sexo, cor, etnia, religião, procedência nacional, etc não constitui ilícito algum. Porque se trata de manifestação sobre opinião que representa apenas simples preferência pessoal. Afinal, você e todas as pessoas também têm suas preferências pessoais “politicamente incorretas”, não é mesmo? Pois, então saiba que não há ilícito algum em dizer isso. Só é preciso coragem.

Aprofundando a questão, vale perguntar: Por que “Justo Veríssimo“ e “Caco Antibes” não gostam de pobres?
Resposta: Pelos mesmos motivos que você e todas as pessoas nesse mundo não gostam de algo.
Pergunta: E o que faz com que as pessoas gostem ou não gostem de alguma coisa?
Resposta: O pré-conceito.
Pré-conceito consiste no conjunto de ideias e valores individuais, adquiridos ao longo da experiência de vida e que, por serem considerados fundamentais à sobrevivência, constituem parâmetro de julgamento nas decisões pessoais. Portanto, “Justo Veríssimo“, “Caco Antibes”, você e todas as pessoas possuem seus respectivos pré-conceitos, que foram previamente consolidados ao longo de suas vidas.

Todavia, se por um lado é legítimo e inevitável que as pessoas formulem seus respectivos pré-conceitos, que determinam suas respectivas preferências pessoais, as quais podem ser manifestadas livremente; por outro lado é importante destacar que o exercício indevido do direito à liberdade de expressão pode ensejar o cometimento de ilícitos. É o caso dos crimes contra a honra (calúnia, difamação e injúria), relativos à ofensa contra a pessoa ou à sua reputação; ou no caso dos tipos penais referentes à apologia a ilicitudes, como o racismo, o preconceito, a discriminação e a prostituição, por exemplo.

Quanto ao preconceito, em termos gerais, constitui ilicitude relativa a fomentar ou dar tratamento indigno ou discriminatório a qualquer pessoa, em razão de quaisquer aspectos relativos à sua natureza ou procedência. Portanto, é importante saber diferenciar preconceito, pré-conceito, de simples preferência porque há sutilezas significativas quanto seu emprego na vida prática, com as quais se deve ter muito cuidado. Porque a manifestação de “Justo Veríssimo“ e “Caco Antibes” dizendo "Tenho horror a pobre!" é apenas mera preferência pessoal. Porém, a manifestação de ambos dizendo "Quero que pobre se exploda!" trata-se de grave e inadmissível preconceito.

A Inteligência do perdão


Artigo de André Soares - 27/10/2014



"Pai, perdoai-os porque eles não sabem o que fazem" (Lucas 23:34) é o mais magnânimo exemplo de perdão do mundo cristão, pois estas foram as célebres palavras bíblicas proferidas por Jesus Cristo em seu suplício, absolvendo de culpa aqueles que o condenaram e crucificaram de morte. Assim, o perdão é ato de remissão, considerado atitude nobre e própria de pessoa virtuosa, cujo espírito elevado desculpa e absolve todo aquele que lhe tenha infligido ofensa, hostilidade, ou mal de qualquer natureza. Todavia, vale aqui uma pergunta: “Perdoar é uma decisão inteligente?”. Nesse contexto, com a devida e respeitosa vênia a Deus e ao seu filho Jesus Cristo que perdoam a todos indistintamente, inclusive a mim; ressalta-se que no mundo real é fundamental saber quando se deve ou não perdoar. E esta importante decisão não deve ser tomada com o coração no calor da emoção, mas sim com a cabeça pela razão da inteligência.

Ledo engano acreditar no consenso geral ao afirmar que o perdão tem o poder de elevar o espírito de quem perdoa a um nível superior, libertando-o de sentimentos ruins associados ao mal que lhe foi causado. Ledo engano também acreditar que o perdão tem o poder de recomeçar incólume um relacionamento, apagando fatos negativos do passado, como se nada tivesse acontecido. Porque, ao contrário, o único poder que o perdão possui é o de apaziguar a consciência e acalentar o espírito dos culpados que clamam por ele, atormentados pela culpa, arrependimento e o medo de retaliação. Assim, exceção feita ao mal de natureza culposa, aquele que pede perdão é duplamente culpado. Primeiramente, pelo prejuízo que causou a outrem, segundo pela covardia de arrepender-se de seu ato deliberado.

Ademais, é importante destacar que o perdão não tem o poder de mudar os fatos, nem o de fazer esquecê-los. Significa que o perdão é incapaz de corrigir ou reverter o mal cometido, muito menos de apagá-lo da lembrança de quem o sofreu. Portanto, a Inteligência do perdão está na sabedoria de saber quando se deve ou não perdoar, evitando incorrer no grave erro de perdoar quem não o merece, ou não perdoar quem o merecia.

Nesse mister, três são os principais aspectos a serem considerados nessa decisão: a gravidade do mal sofrido, a relação existente com o seu perpetrador, e o contexto geral na qual a situação está inserida.

Quanto à gravidade do mal sofrido, é necessário frisar que certos “pecados” são imperdoáveis. Essa é uma avaliação que depende dos valores cultuados pelas pessoas, povos e nações, e variam em função das ações consideradas como inadmissíveis; cujo leque vai desde os crimes contra a humanidade e os considerados hediondos; até no nível pessoal aos atos de traição, por exemplo. Destarte, uma vez cometidos, a condenação é tácita e não há qualquer possibilidade de perdão. Esta é a postura adotada pelas pessoas e nações mais fortes e poderosas que, quando vítimas de tais ações, não hesitam com a contrapartida da vingança.

Quando o mal sofrido não se inclui na categoria dos “pecados” imperdoáveis existe a possibilidade real de perdão. Nesse sentido, é crucial ressaltar que todo sofrimento é irreversível e acumulativo no espírito, causando um desgaste progressivo nas relações humanas. Consequentemente, a capacidade de perdoar do ser humano tem limites e, a cada perdão, a sobrevivência da relação entre as partes fica comprometida, numa verdadeira contagem regressiva de sua vida útil. Portanto, é importante saber que cada perdão pode ser o último.

A relação existente com perpetrador do mal sofrido consiste no tipo do relacionamento afetivo existente com a pessoa ofendida. Significa saber a natureza do sentimento entre ambos, no variado espectro que vai da amabilidade ao antagonismo, em seus variados graus de intensidade. Basicamente, isso pode ser entendido como que enquadrando as pessoas em duas categorias: amigos (pessoas amadas), ou inimigos (pessoas odiadas). Destarte, quanto maior for o sentimento de amabilidade entre as partes maior será a possibilidade do perdão; e quanto maior for o sentimento de antagonismo menor será essa possibilidade.  Todavia, isso não significa que as pessoas amadas devem ser sempre perdoadas e as odiadas não. Porque há situações em que deve se dar exatamente o contrário.

O contexto geral na qual a situação está inserida consiste em, norteando-se pela racionalidade, ter a exata e profunda compreensão sobre o a realidade em questão, dentro dos mais nobres propósitos afetivos e ético-morais. Significa saber identificar, no contexto do mal sofrido, a eventualidade da existência de uma grande causa que justifique dedicar-se e lutar pelo seu êxito, superando óbices e adversidades e relevando o prejuízo pessoal eventualmente causado por outrem. Esse é o contexto em que, por exemplo, se perdoam ou não: amigos em prol da amizade, amantes em prol do amor, familiares em prol da família, criminosos em prol da justiça, e inimigos em prol da vitória.

Portanto, a Inteligência do perdão é a capacidade de investir e sacrificar-se em prol de algo maior, pelo qual valha à pena lutar, seja pela harmonia de um relacionamento pessoal ou familiar, seja pela construção de um projeto social, político, ou de um país, seja pela destruição de inimigos. Ela é apanágio das pessoas nobres de caráter, que têm a coragem de tomar essa difícil decisão, e cuja conduta pessoal exemplar lhes concede a sabedoria de, mesmo sendo a parte ofendida, ter a nobreza de, em prol de um bem maior, pedir perdão ao seu algoz, embora saiba que deveria ser o contrário.