terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

O golpismo militar no Brasil

Artigo de André Soares - 13/02/2023 

     

 

 

A tentativa de golpe de estado que inaugurou o terceiro mandato do presidente Luíz Inácio Lula da Silva, perpetrada pelos atos terroristas em Brasília/DF, em 08/01/2023; ferindo de morte a democracia e a soberania nacionais; tragédia vexatória e sem precedentes na história do Brasil; foi engendrada, comandada e acobertada pela cúpula militar. Assim é que, no epicentro da mais gravosa crise militar desde o término da ditadura, o ápice do desvirtuamento militar golpista no país foi externado pelo General de Exército Richard Fernandez Nunes, Comandante Militar do Nordeste, em seu artigo “Mundo PSIC e a Ética Militar”, publicado no Blog do Exército Brasileiro (EBLOG), em 01/02/2023 (https://eblog.eb.mil.br/index.php/menu-easyblog/o-mundo-psic-e-a-etica-militar.html). Em seu artigo, o General Richard afirma que “o papel desempenhado pelas forças armadas no cenário nacional” está vitimado pelo “atingimento de patamares consideráveis” de “precipitação, superficialidade, imediatismo e conturbação”, por “condutas em desacordo com a ética militar”.

Tem-se, portanto, a comprovação fática cabal do golpismo dos atos terroristas e o testemunho inconteste de autoridade militar da mais elevada hierarquia do Exército Brasileiro a demonstrarem que o país foi e continua sendo perigosamente ameaçado por contingências gravemente atentatórias à democracia e ao estado constituído, perpetradas por integrantes da cúpula militar. E o quartel-general dessa conspiração é a caixa-preta dos serviços secretos, seu braço operacional e mais poderosa organização criminosa do país, absolutamente acima da lei, que é comandada com mão-de-ferro pela alta cúpula militar há mais de meio século, legado maldito do famigerado e extinto Serviço Nacional de Informações (SNI); criado pela lei 4.341, de 13 de junho de 1964; cuja atual sucedânea é a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), criada pela lei 9883, de 07 de dezembro de 1999,  cuja histórica ineficiência, além de escabrosa é também criminosa.

O diagnóstico minucioso desse colapso institucional militar revela um histórico no Brasil de graves impropriedades quanto à sua administração e emprego, que demandam urgentes correções em toda sua estrutura. Tais correções vão desde a revisão do papel constitucional das forças armadas (Art 142, Constituição Federal de 1988), dos planos de carreira e currículos de formação militar, que devem ser atualizados em níveis de absoluto comprometimento democrático, de legalidade e de valores ético-morais; a extinção do serviço militar obrigatório (Art 143, Constituição Federal de 1988), de cunho eminentemente assistencialista, que deve ser substituído pelo profissionalismo do serviço militar voluntário, extensivo às mulheres; perpassando ainda pela procrastinada unificação das polícias militar e civil e desmilitarização do corpo de bombeiros estaduais; bem como a atualização do Código Penal Militar (CP) (Decreto-lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969) e do Código de Processo Penal Militar (CPPM) (Decreto-lei nº 1.002, de 21 de outubro de 1969), em obediência aos mais elevados preceitos constitucionais de respeito às liberdades individuais e da presunção de inocência, sem olvidar do digno direito à ampla defesa, ao contraditório e ao devido processo legal. Quanto à atuação da Justiça Militar, é por demais importante relembrar de bom alvitre as sábias e veementes críticas que lhes foram proferidas em 2013, pelo então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Ministro Joaquim Barbosa; que, denunciando ao país a “escandalosa” onerosidade da Justiça Militar, defendeu peremptoriamente a sua extinção.

Contudo, a complexidade e gravidade do golpismo militar no Brasil assumem contornos ainda mais graves; extrapolando o alcance da implementação das referidas medidas; as quais, por si só, representam desiderato nunca antes enfrentado pelo estado brasileiro.  Porquanto até mesmo a consecução desse ingente desafio, dando reenquadramento aos militares rigorosamente adstritos ao âmbito institucional, não extirpará o histórico golpista da cúpula castrense. Porque ele é uma degenerescência que, desde o término da guerra do Paraguai (1870), divorciou as forças armadas brasileiras do exercício exclusivo da única e real atividade-fim que legitima verdadeiramente as forças armadas em todo mundo: o emprego em combate.

Destarte, há quase dois séculos, as forças armadas são “não operacionais”; significando que quando forem conclamadas ao derradeiro combate, para o cumprimento de sua precípua missão constitucional de defesa da Pátria, confiar-se-á o destino do Brasil a militares que nunca combateram; cujo projeto de poder de sua cúpula desvirtuou-se para o "golpismo", que é o destino fatídico que acomete os países possuidores de forças armadas “não operacionais”. Ademais, por importante, ressalta-se ainda que, contrariamente, países desenvolvidos e democráticos, como EUA, Israel, França, Reino Unido, dentre outros, que são possuidores de forças armadas profissionais e operacionais, rigorosamente empenhadas no exercício exclusivo da sua real e legítima atividade-fim: o emprego em combate; estão naturalmente imunizados contra golpismos de qualquer natureza.

Portanto, a “não operacionalidade” das forças armadas é a degenerescência determinante do golpismo dos militares, que protagonizaram os golpes de estado no Brasil: da Proclamação da República (1889), de Três de Novembro (1891), da Revolução de 1930, do Estado Novo (1937), da deposição de Getúlio Vargas (1945), do Movimento 11 de Novembro (1955), da Ditadura Militar (1964); da recente tentativa de golpe de 08/01/2023; e da próxima tentativa de golpe no país, a ser perpetrada pelo radicalismo de extrema direita da cúpula militar, inimiga de morte da democracia e da legitimidade do governo Lula.

Por fim, que a tentativa de golpe de estado de 08/01/2023, felizmente malsucedida, tenha servido de alerta derradeiro aos governantes e à sociedade brasileira sobre a descomunal magnitude da ameaça que o golpismo militar representa ao estado democrático de direito; contra o qual o estado constituído está completamente vulnerável. Afinal, verdade seja dita, a recente tentativa de golpe somente não se concretizou porque a cúpula militar golpista se acovardou.

Portanto, urge combater essa assombrosa ameaça, o que demanda a quebra do monopólio dos militares sobre o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI/PR), cuja chefia deve ser entregue a um civil, assim como no Ministério da Defesa; eliminando-se definitivamente a influência dos militares sobre a caixa-preta dos serviços secretos; e a completa extinção da ABIN, condição “sine qua non” também para a edificação de uma nova e eficiente Inteligência de Estado e de um próspero Brasil.

Contudo, caso os governantes e a sociedade persistam na reincidência dos mesmos erros passados, condenar-se-á novamente o Brasil a eternizar-se refém da caixa-preta dos serviços secretos, fortalecendo a criminalidade insaciável dos militares golpistas, ávidos pela deposição dos governos opositores e pela implantação de mais uma ditadura no país.