quarta-feira, 12 de setembro de 2012

"Me engana, que eu gosto!"

Artigo de André Soares - 08/07/2010. 
 
Auto-engano é a capacidade do ser humano de enganar-se, a si próprio. Esse aparente delírio da imaginação é, na verdade, um complexo e eficiente fenômeno psicológico que viabiliza às pessoas irem além da capacidade de enganarem os outros, alcançando a capacidade de enganarem a si mesmas. Suas manifestações ocorrem não apenas no plano individual, mas também no coletivo, significando que este é um fenômeno psicossocial abrangente que acomete pessoas, grupos e sociedades. Sua gênese é proveniente da fragilidade de auto-afirmação humana, decorrente da incapacidade pessoal de enfrentar dificuldades e vencer desafios, perante a realidade desfavorável, ou adversa. Assim, no limiar da tolerância psicológica ao “lado trágico” da vida, dá-se a fuga para a alternativa fácil da substituição da realidade inconveniente por outra, certamente mais agradável, porém irreal. Nesse mister, vale destacar que Eduardo Gianetti da Fonseca foi quem melhor analisou e explicou esse fenômeno, em sua brilhante obra, intitulada “Auto-engano”.

“Me engana, que eu gosto” é uma expressão muito conhecida no país, que retrata o auto-engano de uma nação que se imagina incólume aos seus efeitos, à semelhança da “mulher de malandro”. É nesse contexto que muitos brasileiros, fugindo da necessidade de “acordar” e encarar as agruras da vida nacional, se auto-enganam, por exemplo, ao verem o Brasil sendo aclamado internacionalmente como a nova potência econômica mundial emergente. Controvérsias e polêmicas econômicas à parte, não há dúvidas de que vivemos num país de excelentes oportunidades para se ganhar dinheiro - muito dinheiro. Todavia, o alvissareiro futuro nacional será auspicioso apenas para poucos – os que não se deixam enganar.

Estes conhecem o “lado trágico” da realidade brasileira, diferentemente da nossa sociedade que prefere se iludir em sua “zona de conforto”, pois a “massa” é o reduto dos auto-enganados, como corajosamente profetizou o incompreendido Nelson Rodrigues, ao nos advertir que “toda a unanimidade é burra!”. Assim, agindo como o “pior cego”, pois este “é aquele não quer ver”, estão milhões de brasileiros, apostando seus destinos em viver acreditando nas mentiras dos discursos e promessas sedutoras dos políticos, religiosos, comandantes, autoridades e governantes; cuja argumentação é incapaz de convencer a mais modesta manifestação de inteligência. Lamentável é o destino inexorável desses auto-enganados: homens, mulheres, profissionais, militares, civis, militantes, etc; porquanto lembra a sabedoria do grande filósofo que “é muito perigoso libertar quem prefere a escravidão”.

Assim é que, “acordando” tardiamente para o mundo real, quando o avançar da vida inviabiliza cada vez mais a possibilidade de recomeço, intensificam-se as sucessivas e inevitáveis crises na vida dessas pessoas, quando se deparam com a mediocridade do que efetivamente se tornaram e com o destino infeliz que deram às suas próprias vidas. Vendo o próprio tempo se esvair na contagem regressiva de suas existências descobrem, então, que perderam o seu principal patrimônio, pois tempo é vida.

Atualmente, nosso país abriga gerações e gerações de pessoas amarguradas, relegadas a uma vida inexpressiva, por vezes indigna e de privações extensivas à própria família, sem qualquer expectativa de um “novo” futuro. Restando-lhes apenas reclamar, atribuindo seus infortúnios ao ardil de terem sido criminosamente enganadas, vale dizer que não se vive enganado, ou auto-enganado, à própria revelia. Assim, sofrimento e arrependimento constituem o legado dos que escolherem viver sob o lema “Me engana, que eu gosto!”, posto que cada pessoa é a única responsável pelo próprio destino.

Se a própria vida é o maior bem que se pode ter, não se deve desperdiçá-la na ilusão das promessas tolas, das idéias tolas, das pessoas tolas. Seja protagonista da própria vida e construa a sua história por você mesmo; pois, na pior hipótese, é ainda preferível errar por suas decisões, que pela influência alheia.


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